Daniel Berg, Plácido e o Círio de Nazaré
MEMÓRIA?´

"Ícone do Círio ainda não recebeu homenagens devidas na sua própria terra."
Raymundo Heraldo Maués



O título parece juntar pessoas do passado que nada tem a ver entre si. O primeiro (Daniel Berg), que viveu quase 200 anos depois, provavelmente não ouviu falar do segundo (Plácido de Souza) ou, se ouviu, não deve ter dado a ele maior importância. A relação entre os dois é criada por mim e - ao final deste artigo - gostaria de ter mostrado ao leitor que ela de fato existe.

Escrevo a propósito da recente inauguração do Elevado Daniel Berg, que constitui justíssima homenafem da Câmera Muncipal de Belém a importante figura de nossa história um trabalhador sueco (profissão:fundador), vindo dos Estados Unidos da América que, em parceria com seu conterrâneo, Gunnar Vingren, veio a Belém como missionário, há cem anos e, em 1911, fundou aqui a Igreja Pentecostal Assembléia de Deus, a mais importante igreja pertencente ao pentecostalismo, esse fenômeno religioso tão relevante dos últimos cem anos da história do Cristianismo.

Poucos paraenses se dão conta dessa importância e o fato tem sido pouco lembrado no Brasil, mas deve ser amplamente notado que estamos, em 2010. comemorando os cem anos da chegada do pentecostalismo em nosso país, com a fundação, em São Paulo, da primeira igreja desse movimento, por Luigi Francesconi - a Congregação Cristã - e com a chegada, a Belém, dos missionários Daniel Berg e Gunnar Vingren que, incialmente, foram acolhidos pela Igreja Batista, já presente em nossa cidade.

Tendo sido fundada em Belém, no ano de 1911, a Assembléia de Deus se espalhou por todo o Brasil e, do Brasil, também atingiu outras partes do mundo. Ela constituiu o que historiadores do cristianismo, como Paul Freston, chamam de a "primeira onda" do pentecostalismo e, inicialmente, menos ligada a sua matriz norte-americana, possuía, segundo esse autor, um "ethos sueco-nordestino". Mais tarde, ao se expandir, passou a ligar-se mais fortemente à Assembléia de Deus americana e dividiu-se em vários ministérios, a começar pelo de Madureira, no Rio de Janeiro.

Mas, que tem a ver Plácido José de Souza - um homem que viveu há mais de 200 anos - com tudo isso? Aparentemente nada. Não é ele, porém, uma pessoa tão importante em nossa história, aquele que iniciou, em Belém, a devoção popular a Nossa Senhora de Nazaré, que deu origem à mais importante e manisfestação religiosa que ocorre na Amazônia, o Círio de Nazaré, que constitui também a mais importante e impressionante manifestação religiosa do Brasil, já reconhecida pelo Governo brasileiro como patrimônio de nossa cultura, na categoria das celebrações?

A questão que levanto aqui, a propósito da justa homenagem prestada a Daniel Berg, é que, até hoje, nossa Câmara Municipal nossa Prefeitura e nosso Governo Estadual não prestaram a Plácido homenagem correspondente.

Recentemente, no ano passado, grande homenagem foi feita a ele pela Paróquia de Nazaré, com a inauguração da Casa de Plácido, "espaço construído para acolher os fiéis que vêm de vários lugares do Pará e até mesmo de fora do estado". Essa homenagem representa um passo importante.

Mas gostaria de propor que não se ficasse só nisso. Que nossas autoridades, bem como o próprio povo católico, tomassem a iniciativa de homenageá-lo como merece, na condição de um dos mais importantes cidadãos e figura de nossa história. Por que não fazê-lo: Por que Plácido foi tão esquecido e injustiçado? Homenageamos bispos, padres, intelectuais católicos, professores, profissionais liberais, empresários. Mas esquecemos um personagem que teve papel tão importante na história religiosa de nossa cidade.


PRECONCEITO CONTRA O CABOCLO PLÁCIDO.

Devemos aqui lembrar que o Brasil é um Estado Laico, desde o ano de 1891. Um dos Mais antigos do mundo, mais até do que a França. Nisso imitamos os Estados Unidos da América, ao nos tornamos república. O que significa, também, liberdade religiosa e não privilegiamento, pelo Estado, de qualquer confissão particular. Podemos perguntar. dar o nome de Daniel Berg ao elevado da Júlio Cesar significa forma de cerceamento da liberdade religiosa, ou de privilegiar a Assembléia de Deus? Absolutamente não. É o mesmo que dar os nomes de Dom Frei Caetano Brandão e o Padre Eutíquio a uma praça e a uma rua de Belém. Trata-se de homenagear pessoas que beneficiaram nossa coletividade. Mas, por que, até hoje, não se prestou homenagem semelhante a Plácido, o iniciador da devoção católica que proporciona, no presente a maior atração turistica que nossa cidade recebe a cada ano? Turismo com o qual, afastando (provisória e deliberadamente)as questões religiosas, num espírito de laicidade, todos se beneficiam: católicos, protestantes, pessoas sem religião ou de outras confissões religiosas. Nos dois casos citados acima temos um bispo português, branco, e um padre brasileiro, negro (que, aliás, foi homenageado, não por ser padre, mas por sua atividade jornalística e política, como grande líder ma~^onico). Porque não colocar no mesmo plano o "cablovo" plácido?

Há, claramente, um preconceito contra Pláscido. Ele era, por todas as referências históricas que possuímos, um dos numerosos "donos de santo" que existiam no Brasil desde a época colonial e que ainda hoje existem. Mas, o "dono" de uma santa que se tornou um dos maiores símbolos de nossa cidade, de nosso estado e de nossa região. proponho, aqui, que se reveja esse preconceito. Não homenagear somente brancos (estrangeiros, inclusive, como Daniel Berg, um operário fundidor, que recebeu agora essa bela homenagem) ou negros (como o Padre Eutíquio, que se destacou por seus dotes intelectuais e atuação política), mas também outros homens humildes, como Plácido (Um trabalhador) que, na sua simplicidade, prestaram serviços inestimáveis. Ele deve ser considerado como o  importante cidadão paraense que nos deixou um legado e, por isso devemos dar a ele o merecido reconhecimento.

Raymundo Heraldo Maués
Doutor em Antropoligia e professor emérito da Universidade Federal do Pará